O FURACÃO

O FURACÃO
(O Cavalo de Netuno)



Madrugada que cochila.
Manhã que espreguiça.
Brisa que se arrasta; modorrentamente.

Ilha. Vila que ronrona. Corpos que descansam.

Chuva, que de má vontade, olha de rabo de olho para a praia e passa ao léu, em busca de novas aventuras em alto mar.
Vento, que cansado de arrasar mundos, chega cambaleante para descansar na praia quente da manhã.
Encontro, de amigos e amantes, que na saudade de tempos de ausência, se faz mais animado.
Abraço: chuva e vento. Beijo quente de alento e alegria.
Paixão: amantes amados! Calor do encontro! Chuva e vento, no êxtase do abraço e beijo apaixonados se tornam um só, e se transformam em ventania.
Vento, que de excitação perfuma o mar, levanta ondas e as lança de volta à mãe água, formando tufão.
Chuva, que no cio do encontro reúne nuvens, escurece o céu e se espessa, formando tempestade.
Ondas, tempestade, ventania: tufão! Violência das águas. Êxtase! Vem aí um temporal.
Chuva: cio. Vento: desejo. Carícias! O vento sopra no ouvido da chuva. Cicia palavras vãs. A chuva estremece; hora se arrepia e se avoluma, hora relaxa e se acalma.
Vento: desejo! O vento gira em torno da chuva, sobe, entreabre-lhe as nuvens como o amante que beija os seios da amada. Sussurra palavras doces, mexe-lhe nos cabelos, esvoaçando-os.
Chuva: excitação! Menina... Carícias sentidas. Calor. Calafrios. Abraço. União. Conjugação!
Mar: calmaria.
Brisa que sopra, levando folhas das palmeiras.
Ilha: palmeiras subjugadas pelo vento. Areia que voa; aves que se protegem.
O cio. Cio: fugaz ato de êxtase. Pleno orgasmo. Vento e chuva que gozam, tornando-se um só.
Vento: força, potência. Violência!
Chuva: força. Gritos, como um animal ferido de morte. A natureza em esplendor, na fúria do desejo, a espalhar destruição e morte.
Ilha: o urro de prazer se houve. Estarrecedor! Medo! Pavor... Pânico!

M’tu. A idade nos cabelos brancos, nos calos da mão, no cabo do remo, liso de tanto trocar caricias com as mãos do velho. Experiência. Sabedoria. Temor!
Parado na praia, o velho olha o mar, sentindo no corpo toda a força e violência do vento e a frieza da chuva, que começa a ficar mais forte. De longe pode sentir que a natureza se enfurece e se junta para destruir, para arrasar. Sente ímpetos de enfrentar a natureza, gritar que ela não lhe vencerá, mas sabe, lá no íntimo, no mais fundo da alma, que não  tem forças para ir contra ela.
Fumo: chaminé. Na cabana de Na’a o forno quente começa a entregar os biscoitos e quitutes que irão abençoar a mesa de todos no vilarejo. Não há pão. Só os seus biscoitos.
Calafrio. A mulher estremece. Seu corpo avisa. A espinha parece congelar-se de repente. Tremor. Visão: destruição. Morte. Vazio. Mundo às avessas! Na’a estremece. Seu companheiro se apercebe do estremecimento da mulher. Abraço aconchegante. O calor do companheiro amante amigo.
- Que é isto, mulher?
Tremor, olhar perdido no horizonte do mar.
- É o Cavalo de Netuno. O tufão.
Descrença. Meio sorriso, riso de escárnio. Descrença, e um certo pavor.
- Cavalo! Qual! Isso é história dos mais velhos. Você nunca viu. Nem eu! Histórias!
Olhar vago, perdido, em direção ao mar. Biscoitos que queimam. Fumo da chaminé.
- Pode ser, pode não ser. De repente... Senti uma dor tão forte, um vazio tão grande! Como se a manhã fosse levar toda a minha vida, e não fosse me deixar nada.
O marido senta-se. Puxa um saco de fumo. Enche o cachimbo. Acende-o com uma brasa tirada do forno. Recosta-se na cadeira de palha. Puxa uma tragada funda. Aspira. Expira.
- Pois pode ser como não ser. Só sei que não acredito nessa história. Mas de todo jeito... É melhor não descrer. Como também é bom não crer de todo!

Anselmo, o marido. Depois de rodar mundo à procura de aventuras, sentou os costados naquela ilha, seduzido pela lenda do Cavalo de Netuno . Há anos esperava por ele. Nem mais acreditava ser verdade. Porém...
Na’a retira os biscoitos do forno. Deixa-os sobre a pedra do fogão para não esfriarem. Sai em direção à praia. Caminha lentamente, sentindo no rosto a força do vento, nas pernas as agulhadas da areia revolvida, no corpo o frio da chuva ainda fraca. M’tu ora em silêncio. O rosto endurecido pelo peso do inevitável, pelo medo do horror que advinha.

Mar. Vento e chuva. Na dança do prazer, o vento forma redemoinho em torno da chuva, sobe, enlaça-a e juntos mergulham nas profundezas do mar, para então subirem, trazendo consigo as águas, num turbilhão de ondas gigantescas.
Embarcações: homens no mar. Pó! Minúsculas criaturas. Objetos à mercê da inconstância da natureza.
Gigantes do mar: navios, que se partem como nada à força das ondas e dos ventos.

Os pescadores começam a acordar e se dirigem à praia. Todos sentem no rosto a força vil da natureza, bruxa malvada que não tem piedade dos homens. Alguns se ajoelham, oram e pedem piedade. M’tu e outros pescadores mais velhos lentamente começam a recolher seus barcos para prepará-los para a fuga. Alguns homens se dirigem às cabanas para acordarem suas famílias. Algumas mulheres começam a aparecer com víveres. Sem palavras, formam um batalhão na tarefa de fugir.
Anselmo observa, sem saber o que fazer. Tanto esperara por aquele momento, aquela estranha aventura, e agora fica ali sem tomar atitude. Tudo agora lhe parece tão absurdamente inesperado e irreal. Ansiedade. Inquietação!
Na’a prepara os víveres. Chama o companheiro, lhe dá instruções. Ele apaga o cachimbo, já apagado no canto da boca sem ter sido fumado. Ele a obedece mecânica, freneticamente. Ela coloca, assim como as outras mulheres, biscoitos, peixe salgado, coco, frutas, sal e outros víveres em cestas de bambu trançado. Aconchega-os, acomoda-os bem para caber mais. As outras mulheres já estão à espera na praia com suas famílias, todos com víveres, água, roupas e pequenos utensílios.
Força nos braços: vontade de viver. Os barcos se lançam na água. Silêncio. Nada a se dizer. Apenas o medo! Medo que pode ser tocado, sentido, como a cortar a garganta de todos e de cada um. Crianças que choram e são acalentadas pelas mães.

Vento. Palmeiras que se torcem, na vã tentativa de vencer, enganar o vento, a força destruidora. Raízes que se agarram no solo, na tentativa de não se verem lançadas no espaço, no obscuro desconhecido de acima do solo.

Vento: embarcações que balançam. Homens que se agarram, na tentativa de não serem lançados ao mar. Remos que cortam as águas na pressa de chegar à segurança. Frio; que corta as almas, tornando o medo mais e mais pesado.

Os remadores batem vigorosamente os remos na água. As mulheres e as crianças aconchegam-se amedrontadas no fundo dos barcos, que sobem e descem no movimentos das ondas. A curta distância até o continente é percorrida rapidamente.

Praia: um porto seguro. Enquanto as mulheres agarram suas crias e suas provisões, os homens arrastam seus barcos, retirando-os da água. Ao chegarem à terra, os homens carregam os barcos sobre as cabeças, enquanto as mulheres arrastam suas crianças Os víveres, utensílios e ferramentas vão dentro dos barcos.
No continente, a alguns metros da praia, existe uma enorme caverna, em meio à vegetação, que é preparada anos e anos pelos habitantes da ilha, à espera do furacão. Provisões de todos os tipos são armazenadas e trocadas de tempo em tempo. A  caverna, que é grande o suficiente para acolher a todos, tem a entrada quase totalmente oculta pelo mato, água potável e outras saídas por onde entra ar.
Nabhô olha seus filhos amontoados, com frio e medo a seus pés. Sabe o que estão sentindo. Já sentira este medo antes. Mas também sabia que aquele furacão seria maior que o que vira quando criança. Seu marido está lá fora, ajudando os outros homens a carregarem seus barcos, ferramenta de ganhar o pão de cada dia.

Chuva e vento, no sabor do prazer: volúpia. Se separam, se unem, se tocam, se distanciam. Arrasar mundos. Mostrar seu poder a todas as criaturas. Ah, uma ilha. Destruição!

Palmeiras que se curvam. Folhagem que toca o chão. Meretriz! Raízes, que na dor se rasgam e abrem os dedos. Gritos de dor. Terra, solo que se abre, deixando a árvore, no seu pavor, ser lançado ao ar, carregada pelo vento.

Vento. Grito de prazer. Êxtase. Poder!
Ondas. Ondas que varrem, lavam pecados. Purificam almas. Nada! Só fica o vazio.



NA CAVERNA

Um pequeno filete de água escorre pela entrada. Lá dentro, a caverna é dividida pela linha d’água, formando duas linhas paralelas, onde os homens depositam os barcos, amarrando-os em enormes argolas de ferro, previamente fincadas firmemente no solo de pedra. Os barcos servirão de cama às crianças até passar o temporal. Entre os barcos, as mulheres abrem enormes esteiras feitas de palha de palmeira, onde famílias inteiras se acomodarão. Os utensílios e víveres são acomodados junto com os já estocados em prateleiras cavadas na rocha, protegidas do vento que entra pelo fundo da caverna, trazendo cheiro de chuva e mar junto com o som aterrorizante do tufão.

Vento. Chuva. No indomável jogo do prazer, da conquista, o vento eleva-se em redemoinho, abrindo e desmanchando as nuvens. No céu, avista um transatlântico iluminado em meio aos vagalhões.

Barco. Homens. Frágeis peões nas mãos da destruidora e inconseqüente natureza.

Vento. Na voluptuosa ânsia de mostrar-se à amante – macho! Másculo poder! Mergulha nas profundezas do mar, revolve as águas, içando-as  aos céus. Forma gigantesca coluna de água e vai rolando-a de encontro ao barco. A onda varre-o, jogando-o como brinquedo nas mãos do vento. O barco deita-se, ao sabor da águas. O vento forma nova onda, que levanta o transatlântico, deixando-o na posição original.

Barco. Homens. Vidas. Como bichos que vivem na fruta, os homens amontoam-se desesperados nas entranhas do barco.

Pavor! Pânico de almas à mercê da tormenta.

Vento: gargalha e ruge, oferecendo à chuva amante o frágil brinquedo.
Chuva: águas que se encontram. Ondas, que se juntam à torrente avassaladora que desce dos céus.

Prazer. Gozo. Êxtase. Furioso júbilo. Amantes, vento e chuva explodem no gozo, rugindo aos céus, estrondorosamente, levando o terror aos corações das criaturas.


As crianças e as mulheres se acomodam como podem. Os barcos, construídos a partir de troncos das palmeiras e árvores tombados da orla da praia pelos machados e facões dos pescadores, têm duas hastes de ipê fincadas fortemente na proa e na popa, unidas uma à outra por um tronco roliço e meio curvo, paralelo ao corpo do barco, como as canoas havaianas. Assim, elas sobem e descem ao sabor das ondas, impedindo que virem no mar. Usando estes troncos, os barcos, após serem presos às argolas de ferro são fortemente amarrados uns aos outros para não serem arrastados pelo tufão, e para protegerem os viventes. Cães domésticos e alguns pequenos animais selvagens se acomodam entre os homens e as crianças. A tormenta os faz amigos. Em outras circunstâncias, os cães os caçariam, mas ali todos se protegem juntos.

Enquanto todos trabalham e se preparam para a jornada de espera, M’tu escala os degraus internos da caverna, subindo até o platô superior, que dá de frente para o mar, caindo em precipício sobre ele. Em dias calmos, os pescadores e as crianças saltam dali, em festa, mergulhando no mar. M’tu pára na beira do abismo, sentindo no rosto e no peito nu toda a fúria do furacão. Olha para fora, em busca do horizonte. Foi-se. Não há horizonte. A manhã tornou-se em noite, coberta pela fúria da chuva e do vento enlouquecidos, esquecidos dos homens. Nada pode ser visto. Abrir os olhos já é tarefa quase impossível. Mesmo sem nada ver, M’tu fica ali, recebendo no peito toda a força do vento, como a desafiar a natureza. Seu rosto endurece. O coração bate em fúria, quase acompanhando o compasso da tormenta.
Lá embaixo, uma velha encurvada chega aos pés dos degraus e chama:
- M’tu. Venha filho. O furacão te leva! Mas sua voz é apagada pela tormenta, e ela mesma quase não se ouve.
- Deixa ele, vó. Ele ta espiando suas dores.

Vento. Chuva. Tormenta. Águas que se fundem. Descem a montanha, arrastando tudo que encontram pela frente. Árvores. Vidas. Tudo! Na fúria do gozo, amantes trocam afagos. Acalmam-se.

O mar, em taquicardia, mantém o embalo assustador das ondas, arrebentando nas pedras, revirando embarcações, afogando os homens. Lavando as praias.

Calmaria. Descanso para nova jornada de destruição. Acúmulo de energias, força, poder.

O vento espreguiça-se, olha para a amante que molha o mundo, descarregando sobre ele todo o seu prazer. Instiga-a, e, bruto, senhor da amada, cavalga-a, e juntos varrem terra e mar.

A noite cai, e a fúria da tormenta não diminui. As mulheres estão apreensivas. As crianças amontoam-se nos barcos. Os víveres são distribuídos: crianças, depois as mulheres, depois os homens. Estes, acocorados em grupos, fumam cachimbos feitos de ossos, ou mascam talos de folhas de palmeiras.
A escuridão é como um véu, que tapa os olhos e pesa nos ânimos de cada um. Lá fora a tormenta continua. Os homens acendem tochas e colocam-nas presas em ganchos nas paredes de rocha da caverna.
Distribui-se peixe seco, coco, leite e queijo de leite de cabra, água de coco, farinha, mel e aguardente de batata para os homens e algumas mulheres. As mulheres ajeitam suas crias para dormirem. O medo é como uma nuvem pegajosa, quase sólida, que sufoca a todos. Quase se pode sentir seu cheiro.
Uma mulher começa a cantar uma canção para acalentar e fazer sua filha dormir. A canção conta a história de um pescador que foi apanhado solitário em alto mar por uma tormenta. Lançado ao mar, perde-se de seu barco e fica à morte, boiando nas águas. Quase morto, desesperado e desanimado, quando a tormenta acaba encontra-se vivo, mas não há esperança. Sem barco nem nada que o possa manter vivo. Cansado, entrega-se aos braços do mar, que o havia sustentado por toda a vida. Quando começa a afundar sente-se içado à superfície. Incrédulo, assustado, percebe ter sido salvo por um filhote de baleia. O filhote leva o pescador até sua mãe, que o alimenta com seu leite. Tornam-se como uma família. O pescador passa a viver com as baleias, protegendo-as dos caçadores, e conduzindo-as a águas seguras, em agradecimento.

Vento e chuva agora rolam na cama do mundo, fazendo-se carícias. Esquecem-se do jogo com os homens. Dá-lhes descanso. Perdidos em eternos devaneios de amor, suavizam a fúria destruidora da tormenta.

Vento. Torpor do gozo. Brisa.

Chuva. Modorra de prazer. Gemidos.

Noite. Madrugada. A brisa acaricia a praia, regada pelas carícias da chuva.

Ilha. Vazio. Destruição e morte. Deserto de paixões. Vulcão de emoções.
A brisa varre a praia, lançando suaves nuvens de areia no ar, que se confundem com a garoa fina, carinhosa massagem sobre a terra violentada e ferida.

Terra. Corpo e alma rasgados.

Mar. Calmaria. Presságio da dor.

Barco. Brinquedo nas mãos da natureza, agiganta-se com a calmaria. Toma corpo e alumia-se, vencendo a noite. Ponto de luz e vida em meio à imensidão das águas.

Na caverna, a madrugada se mostra, temerosa e tímida, ainda com medo de confrontar a tormenta. M’tu olha do penhasco. O horizonte ainda está sumido. Um cheiro de maresia toma conta do ar. Os animais, que se esconderam na mata, continuam ocultos. “Eles sabem, pensa M’tu. A tormenta apenas descansa. Ela não tem piedade. Arrasta os mundos. Arrasa com eles. Rasga a terra. Tira dela a vida”.
Anselmo acorda, coloca-se ao lado do preto velho.
- Acabou?
- Nem começou!
- Sério?
- Ela ta só tomando fôlego. Quando vier, não vai ficar nada. Tudo que ver pelo caminho ela vai arrasá.
- Quantas você já viveu, M’tu?
O velho continua olhando o horizonte oculto pela névoa. A tensão se faz visível, os músculos o rosto tesos, endurecidos pelo pavor e rancor.
- Quem vive uma, sofreu tudo que pode sofrer. Volta-se e desce em direção à parte interna da caverna, onde os outros começam a acordar.
Anselmo segue o amigo com o olhar. De repente sente-se um nada, um grão de pó no meio do infinito. Deixa-se ficar, a perscrutar o mar, a névoa, à procura de um pouco de coragem. A um canto da gruta, Na’a prepara  biscoitos num forno de barro. Pouco há que se fazer, a não ser esperar. Esperar que a fúria da natureza se amaine, e tudo volte ao normal. Normal?

Corações que estremecem. Pavor. Olhos que se abrem, corpos que se fundem uns aos outros, na vã tentativa de fuga. O vento, num uivo de dor e fúria, assovia na entrada da caverna. Louco. Alucinado.
A fúria do vento recomeça. Na’a, que retira as primeiras fornadas de biscoitos, ao ouvir o assobio do vento ferido, sente um calafrio percorrer-lhe todo o corpo. Estremece de medo e frio. Os quitutes espalham-se pelo chão. Tenta proteger-se, cobrir o corpo com uma pobre manta de algodão, velha e encardida. O frio interior, o medo. Este não pode ser aquecido. Anselmo chega e a abraça, aquecendo-a.
- Vamos pegar estes biscoitos. O fogão aquece a gente. Ele se agacha e a ajuda. Em movimentos lentos, colhem o alimento caído no chão. Na’a às vezes pára, olha para fora, o rosto lívido.

Diz a lenda, que quando Ma-vhu, o Vento, sopra e avista a chuva, I-fha, e eles se juntam para formar a tormenta, a natureza se funde, a vida se esteriliza, os males são arrancados da alma dos viventes, e neles só se salva o que há de bom.
Diz a lenda, que quem sente no rosto e na alma a força do tufão e sobrevive, jamais dorme novamente. Jamais dorme, porque ele foi roubado ao Espírito da Tormenta, Vo-la, que não descansará até buscar a alma roubada.
Diz a lenda, e as mulheres e os homens quedam amedrontados, que durante a tormenta, todas as mulheres no cio e as virgens serão cavalgadas por Ma-wi, o Espírito da Terra, que vem cavalgando o vento, e que o assovio do vento nas rochas, nas árvores, na entrada da gruta, nada mais é que seu grito de chamada.
Diz a lenda que o tufão é a divisória da vida das crianças, e que aquelas que sentirem o seu frio no peito, dormirem com o coração acelerado pelo pavor, e ao fim da tormenta, quando o vento se calar, puderem ficar de pé, jamais temerão o mar e serão valorosos pescadores.

E por tudo isso, os corações batem descompassados no estômago da caverna. Almas perdidas em pensamentos e emoções, a vida à mercê do pavor e do medo. Os pais e os maridos mantêm as mulheres e as virgens sob vigilância curta, na tentativa de evitar que elas se entreguem a Ma-wi.
Ao mesmo tempo em que temem a tormenta, os homens querem sentir sua força,  para sentirem arrancados de si o peso de seus males, mas ao mesmo tempo escondem o rosto, para não perderem o sono.
As crianças tentam resistir, corajosamente, suportando o frio do tufão que lhes corta a pele como uma navalha afiadíssima. Poucos suportam, e a maioria se esconde em lágrimas, sob a proteção dos barcos.

Toda a vila está ali, dividida em famílias que se amontoam em pequenos grupos por toda a caverna. Ouvem a nova investida do vento e a toada da chuva que aumenta.  A ventania entra pela entrada superior da caverna, vindo do mar, e varre tudo lá dentro, carregando utensílios, pequenos objetos e até uma criança mal protegida.
Anselmo corre, e junto com o pai da criança agarra-a e a coloca de volta no barco. Os biscoitos foram rapidamente distribuídos, mas ninguém se lembra de comê-los. O fogo fora apagado pelo vento, e as brasas do fogão consumiram-se na água que se espalha pelo chão.

M’tu pega seu cachimbo, senta-se na proa de seu barco, enche-o de fumo, socando-o com o polegar. Coloca o cachimbo na boca, mastiga-o, acomoda-o no canto da boca. Acende-o. Chupa o cachimbo vagarosamente, enchendo os pulmões com a fumaça cheirosa e doce. Expira a fumaça, soprando devagar e depois deixando-a sair livremente.
Anselmo o observa. “Parece um Deus. Um Deus negro. Vigoroso, mas um Deus”, pensa.
- Ele tá brincando com nóis. A voz do velho assusta Anselmo. A afirmativa saíra com uma naturalidade absurda. Não é nada mais que uma simples constatação. Ele olha o velho. Suado, com a pele brilhando contra a força do vento, que lá fora diminui de intensidade. A chuva continua forte, arrastando o que encontra pela frente, para o coração do mar.
No fundo da caverna uma menina se levanta, aos berros arranca as roupas do corpo, rasgando-as. Finca as unhas nos seios, gritando desesperada:
- Ma-wi, Ma-wi, vem me cavalgar. Vem me levar. Vem me buscar, Ma-wi! Os homens e as mulheres da família a agarram, cobrem-lhe o corpo e a acalmam. Em alguns instantes ela dorme serenamente.
Anselmo sente o coração bater descontrolado. A têmpora lhe dói como se tivesse levado uma pancada. Sente o sangue correr no pescoço, como se não coubesse nas veias, e elas fossem arrebentar. Olha para M’tu. O velho parece não ter se dado conta do que acontecera à menina; continua chupando seu cachimbo tranquilamente. Olha Na’a. ela também não se movera. Apenas se enrola mais e mais na pobre manta que a protege do frio. Vendo isto, Anselmo a abraça, e deita-se ao seu lado no barco. A velha encurvada, encurvada se protege no fundo do barco, com os olhos abertos. A seu lado, uma moça cantarola baixinho para tentar vencer o medo. M’tu parece dormitar, enquanto fuma. Seu corpo se movimenta, devagar, para um lado e outro, como no movimento das ondas.

Vento. Agastado e entediado da brincadeira, o vento olha a terra lá longe, o mar agitado, a embarcação ao léu, a chuva que continua a arrasar o mundo. Boceja, sonolento. Olha de rabo de olho para a chuva amante que desaba. Dá de ombros e se vai, à procura de outros mundos para aterrorizar.

Chuva. Ocupada em lavar os pecados da terra não vê que seu amado a abandona, e continua sua jornada de destruição.

O barulho do vento diminui, mas a chuva ainda é arrasadora. Ninguém pode deixar a caverna. M’tu ainda dormita, sentado na proa do barco, o cachimbo apagado na boca, os olhos semi-abertos, como a vigiar a tormenta.
Com a diminuição do vento a vida se agita dentro da caverna. Todos se levantam. As crianças correm para um lado e outro, sobem ao patamar superior e descem de volta, os homens preparam cigarros de palha ou cachimbos. Mulheres preparam víveres para o desjejum, outras amamentam crianças de colo. Os cães domésticos, perdendo o medo do vento, descobrem os esquilos, coelhos e ratos do mato que haviam se escondido na caverna, e começam a tentar caça-los. A caverna converte-se num alvoroço, cheia de vida.

M’tu bate o cachimbo na borda do barco, recebe sua ração de peixe seco e mel, enche novamente o cachimbo e o deixa esquecido no barco, onde estivera sentado. Levanta-se e vai até a entrada. Anselmo e a velha o seguem. Ele olha lá fora. a chuva não dá sinais de diminuir. Eles voltam. A velha, suspirando recebe sua ração e volta a se deitar junto à moça no barco. Anselmo senta-se junto à sua Na’a que dormita na esteira. M’tu pega o cachimbo, acende-o, dá uma chupada longa, sopra a fumaça com gosto e perde o olhar no infinito, nas rochas que emparedam a caverna.
Uma criança chora ao fundo. A mãe recomeça a cantiga de ninar. Vozes e sons de conversas vêm de todos os lados, às vezes abafados pelo forte ruído da chuva. A correria das crianças continua, já menos intensa. Os cães se aquietam, sem conseguirem apanhar nenhuma caça.

A chuva cai violentamente no mar. Com a fuga do vento as ondas se acalmam e voltam ao tamanho normal. Dentro do transatlântico os homens-bicho do barco-fruta tentam colocar as coisas no lugar. Cadeiras, mesas, objetos e até alguns corpos se espalham pelas entranhas do barco-monstro, que se tornara tão insignificante brinquedo nas mãos da tormenta. A morte cavalgara o vento e a chuva e visitara os homens no navio. Fora da embarcação, a chuva continua fortíssima. Dentro, enjaulados, os homens recolhem as marcas da destruição. Três corpos lançados contra as paredes do barco pela força da tormenta, jazem inertes, abandonados pela vida. Mas a vida continua, para aqueles que sobreviveram ao terror da tormenta.

M’tu continua a chupar o cachimbo com gosto. Parece a chaminé de um fogareiro. Olha o infinito e fala:
- “Era sábado. M’tu tinha completado oito estações de pesca. Mateus, pai de M’tu saiu antes da madrugada pra pescá. Sani, mãe de M’tu, ficou na cabana dormindo. M’tu foi despedir de Mateus na praia. Quando Mateus sumiu, engolido pela neblina e pelas ondas, M’tu voltou para a rede”.

M’tu começara a falar, quase só, como se falasse para si mesmo. Anselmo demorou alguns instantes a se dar conta do que ocorria. Levanta-se, acomoda-se perto do velho. Outros homens vêm chegando e vão se acocorando perto dele. Mulheres e crianças ao perceberem a movimentação se aquietam, e vão engrossando a roda em torno do velho, que parece não ver ninguém. Na’a se levanta, distribui às crianças os biscoitos que assara no dia anterior. A velha encurvada, encurvada continua no fundo do barco. De vez em quando um cão uiva no fundo da caverna. Todos agora ouvem o velho. Ele fala devagar. Entre uma frase e outra, chupa com gosto o cachimbo, já gasto e escuro pela saliva do tempo.

- “Quando M’tu deitou na rede, sentiu um frio por todo o corpo. Um frio de medo que não conhecia. Demorô a dormir. M’tu acorda assustado. Sani sacode ele com força. O vento sopra com raiva. A cabana vai cair. Sani está barriguda. Puxa M’tu. M’tu e Sani correm pela praia. Ma-whu não tem dó dos homens. Ele brinca com eles. Ma-whu pega M’tu, joga ele na praia  e arrasta na areia. Sani corre, tenta pegar M’tu mas não consegue. Alguém agarra M’tu. Mãos fortes como o aço. M’tu grita apavorado. Pensa que Vha-xu, a Morte, apanhou ele. Não pode ver nada nem ninguém. Ma-whu sopra na ilha. As palmeiras voam, a areia tapa os olhos, corta a carne, faz o corpo sofrê. M’tu não tem coragem de abrir os olhos”.

O velho dá uma chupada lenta no cachimbo.

-“Quem pegou M’tu era Nonato, irmão de Mateus. Carrega M’tu para Sani. Sani corre cega pela praia. O vento rasgou suas roupas. Sani pega M’tu. Nonato arrasta Sani para o barco. Todo mundo já fugiu. Só falta nóis”.

O silêncio na caverna é como um peso. Ninguém faz um movimento. A voz do velho cai macia nos ouvidos à sua volta. Muitas crianças adormecem, ninadas pela voz quase cantada do velho e pelo som da chuva que vem de fora.

- A chuva começa. O mar agitado não deixa Nonato achar o caminho. Sani pede a Ma-whu e a Ixan, o Espírito da Vida, para deixar nóis viver. Nóis chega na terra. Nonato larga o barco, arrasta Sani e M’tu. Outros homens ajudam Nonato.
M’tu tem medo. Esconde entre as pernas de Sani. Sani se enrola na coberta de Mateus, reza e pede por ele. A chuva agora é um rio que arrasta tudo que vê. O vento entra pela caverna e os homens se amarram às crianças. As mulheres choram e rezam e lamentam.

M’tu pára a narrativa para encher novamente o cachimbo. Acende-o e chupa gostosamente. Ainda parece falar mais para si mesmo, como se apenas pensasse em voz alta.
- Ma-whu não tem dó dos hôme. Sopra na caverna e no mar. Corta a pele. A areia cola na ferida e o corpo arde como fogo. Sani grita de dor. Vanpi, avó de Na’a ajuda Sani. Seus grito entra no ouvido de M’tu, e ele fica cada veis mais apavorado.
Naquela noite Sani pariu. Pariu um macho que ela chamou de Ina-Ma-wim; filho do vento e da chuva. Ina-Ma-wim morreu antes da tormenta acabar. Sani enrolou ele na palma de palmeira, untou com óleo de baleia, pendurou nele um dente de tubarão, perfumou com o perfume de urucum branco, o perfume dos deuses, e lançou-o no mar.
Sani dizia, rezando: Ma-whu, Ra-win, Vha-xu tomou meu filho, deu ele pra ôces. Recebe meu filho e leva até o trono dos espíritos. Sani não chorou. Ina-Ma-wim estava com seus espíritos. Estava alegre.
Quando a tormenta acabou, e todos voltaram para a ilha, Sani ficou parada na praia, buscando no horizonte. M’tu se agarrava nas pernas dela. Eles ficavam lá até a noite chegar, esperando Mateus. O mar engoliu ele, com barco e tudo.

Anselmo observa o velho com curiosidade. Parece encontrar no seu rosto um brilho de emoção, mas ao mesmo tempo parece-lhe ser apenas o reflexo de um raio que estoura lá fora. As crianças acordam e voltam a dormir. Os cães levantam a cabeça, mas voltam a cochilar. Todos se sentem relativamente seguros ali. M’tu continua a narrativa, meio ausente, indiferente às pessoas que o ouvem.

Diz a lenda, que quando nasce, o homem recebe o tridente de Netuno, Deus dos mares. Cada dedo é uma vida, e só Netuno pode tomar de volta.
Diz a lenda, que cada vez que um homem sobrevive ao furacão, uma ponta do tridente é arrancada, e se ele sobreviver às três vezes, então sua alma se desprende dele, e ele tem que buscar de volta sua alma, nos confins do mar.
Então ele tem que partir só, no seu barco, e passar quatro luas no mar, até encontrar sua alma, ou ser engolido pelo mar. Por isso, cabe aos homens pescar, cortar as árvores para fazer os barcos, preparar a pesca para o consumo da vila e proteger as mulheres e as crianças. Às mulheres cabe ensinar os filhos, e toda noite contar-lhes as lendas e tradições da tribo, e mantê-las vivas.

Assim, chegara a hora de M’tu enfrentar seu destino. Enfrentar o mar, em busca de sua alma roubada.

Anselmo olha o amigo, e o vazio interior se avoluma. Queria fazer parte daquela gente, daqueles ritos e crenças, ser parte de tudo. Entretanto, sente-se cada vez mais um intruso, um estranho. Ama sua mulher, e ela sabe disso, mas seu amor por ela não é bastante para fazê-lo um deles.

Chuva. Doce e mortal canção. No mar e na terra, a chuva cantarola satisfeita, enquanto continua a arrasar o mundo. As ondas aumentaram e chacoalham o barco. E os vermes humanos dentro dele vomitam, esvaziados de suas arrogâncias e prepotências, brinquedos nas mãos da chuva e do mar!

Netuno acorda de seu sono, e enraivecido ergue seu arpão de ouro, revolve as águas e chicoteia o mar. As ondas sobem e descem. Sobem ao céu e mergulham nas profundezas, levando consigo barcos, homens, destroços e vidas.

M’tu continua sua narrativa, ausente a tudo que acontece na caverna ao lado dele ou lá fora. Enquanto ele fala, as mulheres começam uma cantiga, ritmada, fazendo sons com a garganta, outras batendo os pés na rocha encharcada pela chuva, outras cantando a canção sobre o pescador que uma havia cantado para ninar o filho, outras parecem orar, outras ainda apenas acalentam os filhos, fazendo-os dormitar. Ao mesmo tempo, algumas mulheres principiam a tecer um trançado de palha de palmeira, onde colocam alimentos e víveres. Enquanto tecem o trançado, nele prendem a cada volta coco seco, peixe seco, osso de peixe torrado e triturado, mel, fumo, água de coco guardada em tubos de bambu, castanha, óleo de tubarão e gordura de peixe.
Amarrado firmemente, cada elo do trançado é feito de tal forma que o conteúdo possa ser retirado sem que ele se desfaça. O trançado de palha é para alimentar o pescador.

Outro trançado é feito, desta vez pelas mãos das virgens, que se unem no fundo da caverna, enquanto entoam cânticos pedindo aos espíritos e deuses que guiem o pescador para encontrar sua alma roubada pelo tufão, e perdoem seus pecados e faltas na terra. No trançado elas colocam azeite de baleia, óleo de urucum perfumado com flores de ipê, quatro ossos longos e finos retirados da barbatana do tubarão, fumo e mel.

Todos estes ingredientes servirão para o ritual de sobrevivência e sacrifício do pescador. O azeite untará seu corpo para resistir ao sol, com o óleo de urucum perfumado ele marcará seu peito, sua testa e suas mãos, para oferecer ao Deus da Morte e ao Deus do Mar, seu coração, sua mente e seu trabalho.
O fumo e o mel serão oferecidos aos deuses, em troca da alma que levaram, e os ossos serão colocados na proa do barco, para marcar as quatro luas.
Este trançado ritualístico, feito de fibra finíssima retirado do talo da folha da palmeira, será preso em cruz ao peito do pescador, passando pelos ombros e preso na cintura. Feito com a fibra ainda verde, vai secando ao sol, e apertando seu peito.

Ao mesmo tempo em que as mulheres e as virgens começam a trabalhar, quatro homens se levantam, desta vez em silêncio, untam o corpo com a tinta feita de urucum ainda verde, preto e ardente, fazendo uma linha que desce do mamilo esquerdo até o umbigo. Com a tinta retirada da mesma pedra com que lavram seus barcos fazem uma linha circular em volta dos pulsos, começando pelo lado de dentro do braço. De onde as duas pontas se unem para fechar o círculo, traçam uma linha reta até o cotovelo. Aí fazem as três pontas do tridente de Netuno. Quando terminam de se pintar, o homem que segurava a cuia com as tintas vai até a entrada da caverna, faz uma oração e uma reverencia e a lança em direção à chuva.
Os quatro se dirigem ao fundo da caverna e de lá trazem um barco belamente construído.

Diferentemente dos demais barcos que são feitos de um só tronco, este foi feito em três partes. O corpo do barco foi feito com duas metades escavadas do tronco do cedro negro, retiradas de uma árvore derrubada pela tempestade. Unidas na parte de baixo com maestria, é vedado com óleo de baleia queimado, tem o meio mais largo que as pontas, como os demais. As duas metades são unidas na parte da frente  por um tronco branco e macio – a Árvore Branca da Vida, moldado em formato de quilha sob a água, e na ponta superior uma figura irreal, meio homem meio animal, grandes orelhas redondas e gorduchas, lábios grossos e pendentes da boca. Em lugar de dentes, três pontas flechadas para frente, olhos enormes e um ar indecifrável, se de ódio ou pavor. Cruzada sobre o peito, a mão fechada em punho segura uma clava, que será usada como tocha para iluminar as noites do pescador. No alto da cabeça, quatro pequenos orifícios, onde o pescador fincará os ossos que marcarão as passagens da lua.
Na popa, os dois troncos se unem a um tronco moldado de cor avermelhado, em formato de quilha sob a água, e na parte superior imitando mulher prenha, sem braços, encimada por uma cabeça com longos cabelos, porém sem rosto. As mãos, saídas do nada, se juntam no ombro direito, para segurar o leme. Este, feito de uma madeira rosada, é maravilhosamente entalhado. O cabo, preso às mãos da mulher sem rosto tem uma ponta em noventa graus direcionada para dentro do barco, de onde o pescador irá controlá-lo. Aí ele desce totalmente liso, até a linha d’água, onde se abre para formar o leme. Nesta parte, bem mais larga que o cabo roliço, foi moldado um grande Marlim, o peixe azul. No fim do leme, bem abaixo da linha dagua, sobressai-se o imenso nariz do peixe, em forma de espada.
No centro do barco, preso ao fundo e às laterais, sobe um tronco grosso onde será presa a vela feita de algodão cru. Todo o cordame, que passa por furos nas hastes laterais e nas figuras de popa e proa, é feito de sisal trançado pelos pescadores jovens. Na parte de trás, as pontas do cedro negro foram deixadas sem serem lavradas, formando um assento, de onde o pescador controlará o leme e usará o remo.
Nas bordas do barco, em grandes furos retangulares, outro trançado feito em couro de peixe é entrelaçado, para embelezar a embarcação.
O remo, de duas pás, é feito de cedro negro como o barco. Todo lavrado, de um lado tem as bordas serrilhadas em forma de dente e o corpo se assemelha a um peixe de longas barbatanas. Onde ele se afunila para o cabo o entalhe imita o rabo de uma baleia. O cabo, também entalhado, é feito sob medida para as mãos do pescador. Os pequenos entalhes do cabo, de ponta a ponta, contam a história do pescador que vai usa-lo. Na outra ponta, a pá imita a mão do pescador, com o polegar paralelo aos outros dedos. No verso, a mesma figura da proa, porém mais feroz que aquela.

O barco tem uns oito metros de comprimento, e diferente dos outros tem dois troncos laterais. As hastes que os unem ao barco são abauladas, feitas com uma só peça de madeira, e o atravessam transversalmente na parte da frente e atrás. Os troncos laterais são ligeiramente menores que o barco. Têm as pontas dianteiras lavradas em forma de quilha, assim como o barco, e a ponta traseira afilada. O barco é construído de tal forma que sobe e desce com as ondas, e dificilmente poderá ser virado por elas. Aparentemente pesado para ser conduzido por um só homem, na água é de uma leveza e versatilidade surpreendente. O remo praticamente só será usado pelo pescador para conduzi-lo próximo à praia.

Os homens cobrem o fundo do barco com uma esteira de palha, pintam-no com a tinta vermelha de urucum, azul e branco de pedra moída. Se tiver tempo para descansar, o pescador poderá deitar-se no fundo do barco e dormir.
Mergulham em gordura de baleia e óleo de coco uma bucha de sisal, e depois a prendem na clava, para ser acesa pelo pescador. Terminada a tarefa, sentam-se ao lado dos outros, para ouvirem M’tu.

Enquanto as mulheres, as virgens e os homens trabalham, lá fora a chuva continua, hora forte, hora mais branda. No mar, as ondas continuam a brincar com os viventes,

 M’tu continua sua narrativa, quase uma cantilena, alheio a tudo e a todos. A velha encurvada se levanta, retira do fundo do barco em que dormia um embrulho envolto em couro de peixe, desenrola-o e de lá retira um punhal, que brilha em sua mão com o reflexo de um trovão. Um cão, assustado com o relâmpago e com a velha, gane e corre para o meio das crianças, escondendo-se. A velha corta um pedaço de banha de peixe seca e começa a comer. Enrola e guarda no mesmo lugar o punhal.

O frio continua cortante, mas o velho parece não sentir nada. Como em transe, continua sua história, sem se dar conta se os outros o ouvem ou não.

- “Sani ficou velha. M’tu também. M’tu pescava e trazia peixe, óleo e couro para Sani e para a vila. Mateus foi engolido pelo mar. O demônio azul que mora no mar levou ele. Arrastou ele para o fundo, e os tubarões mataram ele. Sani e M’tu ficaram sozinhos. Não tinha mais ninguém”.

A chuva agora ruge lá fora. O mar se enfurece e bate nas rochas. Do platô superior desce água e frio, fazendo todos se encolherem. M’tu continua sentado no barco, falando para o vento.

-“M’tu saiu para pescar. Três dias no mar. Tohan, Ti-uw e Mali também vão no barco. A pesca não é boa. Três dias, e só pegamos pesca pequena. O sol esconde nas profundezas do mar. Nóis dorme. A vela está arriada. Mali acorda com as ondas batendo  no barco. Assustado, acorda todos.
Ma-vhu sopra irado. As ondas sobem e descem. A noite está branca no horizonte. A lua se esconde com medo.
Mali diz: Wha-xu qué nóis.
M’tu diz: nóis engana ela.
Ti-uw fica calado. O medo cala ele.
Não adianta pegar nos remos. A chuva é muito forte.
Ti-uw começa a gritar: “Vamo morrê. Vamo morrê tudo. É o Cavalo de Netuno. É o furacão desalmado sem dó dos hôme”. Mali agarra ele. Joga no fundo do barco e segura lá.
M’tu e To-han olha o horizonte. O medo cresce e aperta nossos coração. Tohan olha M’tu, pega os cordame do barco e prende a vela no fundo. M’tu sabe que chegou a hora de encontrar Vha-xu. A raiva é maior que o medo. Ela já levou todos que M’tu amava. É hora de ir ver eles. Aí M’tu se lembra de Sani. Sani prescisa de M’tu, M’tu pensa. Então M’tu arresolve que Vha-xu não leva ele.
M’tu grita para os outros: faz os cinturão de coco. Se nóis cair na água, ele salva nóis.
Cada um pega seu trançado e amarra os coco. Treis pra cada. Antes que M’tu consegue amarrar seu trançado, I-fha cai enfurecida, e ninguém mais pode nem se vê dentro do barco. I-fha é tão forte que dói nas costas e no rosto. Nóis não consegue abrir os olhos.
No céu, Voo-la arreganha os dente, solta seus trovão e raio de fogo, pra amedrontá nóis mais ainda.
M’tu ouve um grito de pavor. Mali caiu no mar. Ti-uw grita por ele, mas sua voz some. A voz de I-fha e de Ma-vhu é mais forte, eles se junta, e na dança de prazer destrói o homem e o mundo.
Nóis se agarra um no outro, e tenta se agarrá no mastro da vela, mas a gente se engana e caímos todos na água.
M’tu não vê mais nada. I-fha cai sem dó. Ma-vhu ruge com ódio. O mar sobe e desce. M’tu não colocou os coco. Mal consegue ficar sobre as ondas. M’tu engole água. Alguma coisa bate nas costas de M’tu. M’tu procura, sem ver e pega. É o mastro da vela, que soltou do barco. M’tu se agarra no mastro com força e pensa: Sani vai ficar sem filho. Sani vai morrer de fome. M’tu tem que viver”.

Enquanto e velho continua sua cantilena, as mulheres continuam a cantar para as crianças, ao mesmo tempo em que tecem o trançado. As que estão desocupadas enrolam-se aos poucos agasalhos, ou aos seus homens, ou mesmo às crianças para se aquecerem da chuva e do frio. Algumas crianças dormem, outras ouvem atentamente o velho. Os homens, que terminaram de preparar o barco, trocam de mão em mão uma cuia de casca de coco, cheia de aguardente com ervas, para aquecer o peito e dar coragem. Algumas mulheres também bebem na cuia. Todos os animais se aquietam sob os barcos, ou no fundo da caverna. Apesar da chuva forte lá fora e da cantiga das mulheres, a voz do velho se ouve como um eco, nos ouvidos e no coração de todos.

Anselmo olha a cena e vislumbra a magia daquele instante. Como embebidos pela narrativa do velho pescador, todos esperam, suportando a expectativa do fim do mundo.

Agora todas as atenções dentro da caverna estão voltadas para o velho pescador. Sua cabeça parece uma lua cheia, encimada por tufos de cabelo encaracolados, brancos, que parecem ter um brilho especial no tremeluzir das tochas dentro da caverna.

Anselmo olha o velho amigo, e tem a nítida sensação de que ele agigantou-se, tornou-se um ser imenso, muito maior que todos ali. A vertigem passa logo, e ele se dá conta da realidade da situação. Todos parecem magnetizados, enfeitiçados pela narrativa do velho pescador. Esse, alheio a tudo à sua volta, continua contando para a chuva a sua epopéia.

-“M’tu está cansado, quase morto. Junto do mastro ainda sobrou um pedaço de pano da vela, rasgada pelo vento. M’tu se amarra com ela no mastro, assim não vai afundar.
Ma-vhu bate como o chicote de Netuno. As carne dói. Os olhos não vê nada. O mundo inteiro é água, vento e chuva. As onda sobe e desce. M’tu amarrado vai junto. O tempo passa, e a chuva continua. O sol não aparece. A tormenta ruge como um cão enfurecido. A mão de M’tu dói como fogo.
A noite e o dia são iguais. Não dá pra separar um do outro. Até os peixe sumiram. Não se vê nada. Só o barulho do vento e da chuva. Os solavancos das ondas arrasa com a alma e a força de M’tu.
M’tu desmaia amarrado no mastro e na vela. Às veiz, quase afoga nas ondas, e acorda com a boca e o peito em fogo, no ardor da água do mar nos olhos e nos pulmão, na boca, no rosto.
Os dia passa. As noite vão atrás. M’tu não sabe quanto tempo se foi. A fome e a sede faz M’tu sentir mais dor e cansaço. M’tu desmaia e acorda, desmaia e acorda.
M’tu pensa: M’tu tem que fazer alguma coisa. Mas a chuva e o vento não pára. Ma-vhu, o vento, e I-fha, a chuva, se diverte com os homens. Voo-la, o espírito da tormenta, arranca dos corações a alma dos viventes e arrasta para o mar aberto.
Os olho de M’tu quase não abre. O sal da água queima e arde. Ta difícil enxergá. M’tu não sabe para onde ir. Tem medo de ir para o mar aberto, e ficar tudo mais ruim. Continua amarrado na vela, tentando ficar acordado. As perna dói, dão câimbra, de tanto nadá e tentá não se afogá no sobe e desce das onda”.

O velho pescador dá uma parada, torna a encher o cachimbo, já apagado pelo vento, toma outro gole da aguardente de batatas, dá uma cusparada no chão, e recomeça a cantilena, alheio a todos à sua volta.

A chuva agora cai grossa, mas mansamente. O vento acalmou-se. As mulheres olham seus filhos. Alguns garotos criam coragem e expiam na entrada da caverna. Um bebê choraminga ao fundo; sua mãe o acalenta. Homens acendem cigarros de palha ou cachimbos feitos de ossos. A fumaça se espalha pela caverna. Alguém tosse, a velha encurvada acorda, se levanta e senta-se na proa do barco, a moça a cobre com seu xale mulambento.

Um cachorro passa correndo atrás de um preá, seguidos por um molecote, derrubando tudo no caminho. Ninguém parece se incomodar. O preá desesperado prefere enfrentar a chuva. Os outros voltam com o rabo entre as pernas, cão e moleque.

A velha encurvada acende um cigarro, dá uma chupada, aspira a grossa fumaça, tosse, dá outra chupada, aspira. Recebe das mãos de um homem a cuia, toma uma talagada da bebida, dá uma cusparada no chão, se enrola novamente no fundo do barco com o cigarro entre o que lhe resta de dentes.

Anselmo se sente cansado, quer dormir, mas a voz do velho pescador é mais forte que o cansaço e o sono, e ele fica acordado, enfeitiçado pela cantilena. Na’a cochila, a cabeça no colo do marido, que corre os dedos por entre seus cabelos.

M’tu fala: “M’tu consegue deitar em cima do pedaço de pano da vela, amarrado no mastro. M’tu cochila, cochila e dorme. Ma-vhu se foi. I-fha cochila, se enche de preguiça e deixa o mar aquietar. O sol cria coragem e aparece no alto. Os olho de M’tu arde ainda mais, com o sol e o sal do mar. Tudo dói. A pele arranca igual couro de cobra. A carne arde e queima. M’tu se levanta. Com muito esforço, senta no mastro, encarrapitado. M’tu tem que se orientar, mas o sol tá alto no céu. De dia, com o sol alto, quase cego, é difícil olhar o caminho de volta. É mió esperá ficá de noite e seguir as estrela. O sol forte bate na pele, que dói tudo de tão seco. O sal do mar chupou a água toda do corpo. M’tu tá quase vazio. Com a chuva, M’tu conseguia matar um pouco a sede. Agora, com o sol forte, M’tu não tinha onde arrumar água pra beber. Só tinha sobrado o velho mastro, a vela toda rasgada pelas ondas e este preto velho, com as mãos tão rasgadas pelo sal como o pano da vela”.

O velho abre as mãos contemplando-as, mas parece que só vê as mãos feridas das lembranças. Se levanta, com o charuto que teima em se apagar no canto da boca, vai até a entrada da caverna e volta novamente para o mesmo lugar.  Alguns dos homens apenas levantam o olhar para acompanhá-lo na ida e vinda, outros mal se movem. O velho dá outra bebericada na aguardente e recomeça a contar.

-“M’tu sabe que não pode ficar no mar. Logo os tubarões vão querer comer ele. Sani precisa de M’tu. M’tu pensa, pensa, mas não sabe o que fazer. O sol forte corta as costas, as pernas e cruza facas de dor na cabeça de M’tu. M’tu olha, mas o mar é muito grande, não há nada. M’tu tá sozinho. M’tu reza, pede a Ixan pra levar M’tu de volta, por que M’tu ainda não tem filho e ainda não cumpriu o ritual de Tu-ika. M’tu dorme com sol forte na nuca. Sonha que Sani morreu, pensando que M’tu não volta mais. Sonha que Mali e Ti-uw foram comidos por peixes enormes. Peixes com cara de peixe e pernas que nem homem. No seu sonho, o velho Mateus fala: coragem, meu filho! Coragem! E some numa nuvem de fumaça com cheiro de peixe podre.
M’tu acorda. Alguma coisa pegou M’tu. Quando M’tu consegue ver, tem muitas pernas, braços e cabeças. M’tu dormia, amarrado no mastro e foi salvo por uma baleeira que passava. Eles deixam M’tu na ilha. M’tu sobreviveu a Voo-la, que levou Mali. Tohan e Ti-uw também foram salvos pelo barco. Nóis reza por Mali e agradece nossas vidas”.

O velho termina sua história. Os homens se retiram e vão dormir, levando suas mulheres e suas crias.

Anselmo então se dá conta que mesmo faltando detalhes, a narrativa é pura poesia. O velho olha o barco preparado. Corre a mão por todo ele, de ponta a ponta. Anselmo o observa. De olhos fechados, correndo a mão pelo barco, dá a sensação de tentar sentir o barco. Parece triste, mas ao mesmo tempo calmo e resignado.

O velho sobe até o platô superior. Chega até a beira do penhasco, olha o mar, abaixa a cabeça como em reverência, volta para dentro da caverna, deita-se num canto e logo dorme tranquilamente.

Anselmo volta, deita-se ao lado da mulher, prometendo-se ficar vigilante para acordar assim que for preciso.

Anselmo acorda com a madrugada ainda cochilando. Não consegue distinguir o que o acordou. Os pescadores trabalham enquanto suas crias dormem. Suas mulheres os acompanham com o olhar, sem se moverem. Estranho. Um silêncio pesado, como uma mão na garganta, impera. O movimento de vai e vem dos homens parece não gerar qualquer som.

Anselmo senta-se na esteira, dobra os joelhos, olha a mulher que dorme ou finge dormir, e tenta ouvir o silêncio. Os pés arrastam-se pela caverna sem qualquer ruído. Na’a toca levemente a mão do marido. Ele volta-se, vê a mulher de olhos abertos, quieta no leito, faz-lhe um carinho, dá-lhe um beijo nos cabelos, levanta-se, percebe que  o velho não está na sua cama, e vai à sua procura.

 Encontra-o na entrada da caverna, mais uma vez perscrutando o horizonte. Lá fora, o céu está cinzento, sem nuvens. Uma estranha calmaria reina. Anselmo sente um calafrio, cruza e aperta os braços contra o peito. “Há algo no ar, pensa. É como se alguma coisa muito ruim estivesse só esperando parta desabar sobre nós”. M’tu não se vira com a chegada de Anselmo.

- O mundo vai desabar. Até agora Voo-la só brincou. O pior está vindo.

O velho volta para dentro da caverna. Anselmo dá mais uma longa olhada para o horizonte. Não consegue vislumbrar nada, mas a sensação de perigo iminente continua. Entra novamente na caverna, e então entende o que os homens estão fazendo.

Os barcos, que foram amarrados uns aos outros e às argolas no chão de pedra, agora estão sendo vistoriados. Alguns homens descem do platô superior, o que chama a atenção de Anselmo. Ele sobe para ver o que acontece. Na boca superior da caverna, por onde entra todo o vento e a chuva, eles haviam prendido a argolas de ferro iguais às que prendem os barcos, uma imensa e resistente lona, talvez o único objeto industrializado existente ali. Presa com correntes de aço, ela servirá para diminuir o vento, quando o tufão chegar, ou ele arrastará todos dali. Sobre os barcos também foram presas duas lonas do mesmo tipo, estendidas por sobre toda a extensão da caverna, formando um só corpo sobre tudo e todos.

Lá fora, o assovio do vento aumenta aos poucos. Às vezes, uma rajada de vento mais forte assusta as almas presas no interior da caverna.

O FURACÃO

Vento, que reúne forças e toma novos rumos, e se lança enfurecido em direção à terra.

Chuva. Força que se esvai, mas ainda causa medo e destruição.

No navio-fruta, cheio de bicho-homem, a noite calma faz voltar a tranqüilidade às almas atormentadas pelo medo. As ondas ainda são fortes, mas a chuva praticamente se foi, e todos podem dormir.

O furacão agora se dirige ao continente, deixando o mar para trás e o transatlântico com ele.

O vento se acelera, aumentando sua força destruidora. Ondas enormes se formam e se lançam com violência sobre a praia. A pequena ilha desaparece no mar, totalmente coberta pelas águas. Quando elas se forem, e a terra aparecer novamente, só haverá um enorme vazio.

Árvores são arrancadas com raízes e tudo na beira da praia. As palmeiras se curvam, na atordoante tentativa de não terem o mesmo destino.

Na caverna, todos estão escondidos sob as lonas, amarrados sob elas como num embrulho. As crianças, as mulheres e até mesmo alguns homens tremem de medo e frio.

O vento entra violentamente pela parte superior da caverna, mesmo com a proteção improvisada. Passa ruidosamente por sobre todos, fazendo a cobertura de lona parecer muito mais pesada que realmente é. Os cães se inquietam e escondem a cabeça sob as patas. As mulheres agarram-se a seus maridos ou suas crianças. Os homens ouvem apreensivos o uivo do vento que passa furioso sobre eles.

O som do furacão é ensurdecedor. Aumenta, diminui, volta a aumentar. Na entrada da caverna, o vento retalha a lona em tiras, que batem na parede de rocha aumentando o medo e a ansiedade de todos. Com isso, a proteção contra a entrada do vento deixa de existir, e todos passam a sentir a enorme força do vento sobre a proteção de lona, que se torna mais e mais pesada.

O tempo parece não passar jamais. Ninguém consegue falar qualquer coisa. O medo cala suas gargantas, mas mesmo que quisessem, não seriam ouvidos pelos outros, nem mesmo pelos que estão bem próximos, tal é a força e o ruído do furacão.

Crianças choram, agarradas a seus pais. O dia se fez noite novamente. Pequenos animais da floresta se infiltram por debaixo da proteção de lona, e dividem o espaço com os homens.

Pequenos objetos e utensílios são arrastos pelo vento, às vezes lançados violentamente na parede de pedra ou levados para fora da caverna.

Horas se passam, até que o som do vento e da chuva vai aos poucos diminuindo, mas ninguém sai do esconderijo. Todos sabem que devem esperar, até que o Olho do furacão se desloque terra adentro.

Chuva. Energia que se acaba. Êxtase. Descanso. Fim da tormenta. Outras terras e mares para atormentar.

Vento. Energia que finda. Relaxamento.

Barco. A calma depois da tormenta é ilusória. O medo ainda arrasta muitas almas ao desespero.

Dentro do transatlântico, as pessoas vão voltando à sua rotina. A tempestade, que havia sido fortíssima, deixara três mortos e alguns estragos, mas no geral não havia sido tão devastadora quanto parecera à primeira vista. O medo e desespero dos homens vão aos poucos diminuindo, e a vida começa a reanimar-se.

Na caverna, o ruído do vento praticamente sumiu. A chuva já parou há algum tempo. Os homens começam a se mover. Saem debaixo da proteção de lona, que está cheia de entulhos, galhos, pequenos objetos trazidos pelo vento e pela chuva. Soltam as amarras para que todos possam sair do esconderijo. As mulheres lentamente vão se levantando, arrastam suas crianças e começam a conferir a destruição.
Dentro da caverna, praticamente todas as coisas estão no lugar, pois a vila se prepara anos e anos para a chegada do furacão.
Na entrada da caverna e na praia, a imagem é desoladora. Árvores caídas, palmeiras arrancadas. Destroços de barcos e das casas da vila, corpos de animais, pequenos e grandes, alguns peixes que foram lançados nas pedras e estraçalhados.

Da vila na pequena ilha, quando a água baixou e ela apareceu aos olhos dos pescadores, só sobrou a estaca que sustentava a cobertura da grande barraca.

Toda a vila sai em direção à praia. Os olhares se perdem no horizonte, à procura de algo que nem eles mesmos sabem o que é. Talvez um pouco de esperança, ou alguma coragem para reiniciarem suas vidas.
Os animais, domésticos e selvagens, vendo que os homens saíram do esconderijo se encorajam e aventuram-se a enfrentar o dia que cresce lá fora.

As crianças agarram-se às pernas de suas mães, que ficam paradas na praia olhando o vazio que cresce em volta delas. Os homens, a princípio parados, estáticos ante tanta destruição, começam a se mover. Alguns deles voltam para a caverna, onde começam a fazer a limpeza das coberturas de lona, desamarram-nas das argolas em que estavam presas, dobram-nas e guardam no canto da caverna onde estiveram até serem necessárias.
Algumas mulheres chegam e também participam da tarefa de limpar a caverna, na tentativa de fazer a vida voltar ao normal. A caverna ainda servirá de abrigo para todos ali, até que a vila seja reconstruída.
As crianças, a princípio temerosas e apreensivas, vão se chegando e entrando na rotina das tarefas.
Anselmo, que acompanhara os homens na vistoria da praia, volta para dentro da caverna junto com a mulher. Junta-se aos outros na limpeza e conferência dos estragos dentro do esconderijo.
M’tu sobe ao platô superior. As tiras de lona ainda chicoteiam a rocha, presas à parede pelas argolas de ferro. A brisa que vem do mar trás um odor de morte e destruição, mas que vai aos poucos se transformando num cheiro doce de maresia e renovação.

Enquanto trabalha ao lado da esposa, recolhendo pequenos objetos arrastados pela chuva e pelo vento, Anselmo pergunta-lhe.
- Na,a, o que é o Ritual de Tu-ika?
A mulher continua sua tarefa. Vai em direção ao forno de barro que ficara esquecido tantas horas no fundo da caverna, apanha um pouco de lenha para tentar acendê-lo. A lenha, toda molhada, não será útil. Pede ao marido que tente arranjar alguma mais seca. Anselmo vai até a paia, demora-se a voltar. Trás nos braços um pequeno feixe de lenha, também molhado. Juntos, acendem o fogão da maneira que é possível. Um filete de fumaça sobe, provocando tosses e novo ânimo no coração das pessas.
- O Ritual de Tu-ika é o ritual de renovação da vida. É como vocês, cristãos, quando batizam seus filhos. Lá vocês oferecem os filhos ao seu Deus não é?
- É, mais ou menos.
- Pois é. O Ritual de Tu-ika é quando oferecemos nossos filhos ao Deus da Vida, pra que ele faça com que a vida se renove e nunca se acabe.
Enquanto fala, Na’a prepara o primeiro alimento que todos ali vão consumir depois da tormenta. Ela sabe que agora ninguém se lembra de sentir fome, mas que quando as coisas voltarem ao normal, e as pessoas puderem descansar da tarefa de reorganizar a vida, sentirão fome e sede. Mais duas mulheres chegam para ajudá-la na preparação do alimento. Outras mulheres e alguns homens trazem água. Lá fora, os homens, ajudados pelas crianças maiores estão cuidando da limpeza da praia. Logo irão devolver seus barcos ao mar, e sairão para buscar o peixe que lhes mantém a vida.
- A água doce que nasce na terra, a água salgada do mar, e o sangue que corre nas nossas veias, são os elementos da vida. São os três líquidos que mantêm o homem vivo. A água doce alimenta, e é fonte de todos os tipos de vida. Nada, plantas, homens, animais, vive sem água. A água do mar nos dá nosso alimento do dia a dia, e controla o fluxo de vida do pescador, ou seja, do mesmo modo que o mantém vivo tira sua vida quando chega a hora.

Anselmo acompanha a esposa na tarefa, enquanto ouve sua narrativa. De repente, parece-lhe que apesar de viver tanto tempo com aquela gente, nada conhece de seus hábitos, de suas crenças.

- Tu-ika é uma pequena serpente. Quando uma mulher vai ter cria, ela é atraída pelo cheiro de sangue. O marido tem que ficar atento. Embora ela não seja venenosa, ela pode entrar no corpo da mãe, ou até mesmo pelo umbigo da criança. Pra proteger as duas, mãe e criança, o marido faz um círculo em volta da cama com o sangue da placenta, e coloca quatro cuias de coco com sangue em pontos do círculo. A serpente vai entrar na cuia e será presa pelo pai da criança.
Então começa o ritual. A serpente é o representante do Deus da Vida. É ela quem decide quem a criança será. Se ela for crescer e se tornar um homem de bem, a serpente o deixa viver. Se não, ela o destruirá.

O cheiro que vem da panela começa a espalhar-se pela caverna e chama as crianças. Os homens que trabalham lá fora já levaram grande parte dos barcos e os prenderam uns aos outros na praia. Logo sairão para pescar. M’tu se prepara enquanto os pescadores trabalham para fazer a vida voltar ao normal. Ora, pede a Ma-vhu, a I-fha e a Vha-xu que o ajudem a encontrar sua alma roubada por Voo-la, o Espírito da
Tormenta.

Na’a continua.
- Aprisionada a serpente, a mãe e o bebê são levados até o mar, para serem lavados. Três das quatro cuias de coco que estavam no pé da cama são lavadas até não restar mais nenhum sinal de sangue. Numa delas, o pai traz um pouco de água doce. Em outra, colhe água do mar. Então ele pega a serpente que está inerte dentro do sangue coagulado e a aperta na mão fechada. A serpente pica a mão do homem. Como já disse, ela não é venenosa. Mas ela provoca hemorragia, que se não for cuidada a tempo pode levar à morte. Na terceira cuia de coco, ele vai colher seu próprio sangue. Na cuia onde estivera aprisionada a serpente, já estão misturados o sangue do bebê e de sua mãe, pela troca dentro da barriga, fonte de vida. Aí o homem corta a cabeça da serpente. Dela escorre um sangue grosso, negro. Ele então, enquanto ora e oferece a vida de seu filho e a sua descendência a Tu-ika, vai misturando gota a gota, primeiro o sangue da serpente, depois a água doce, depois seu próprio sangue, depois a água do mar. Ele deve repetir até que a serpente não dê mais sangue. Com isso ele está misturando todos os fluidos da vida: água doce, água do mar, o seu sangue, o da mãe e o do filho, ao sangue de Tu-ika, o Deus da Vida. Enquanto ele faz isso, as mulheres estão lavando a mãe e seu filho. Terminada a mistura, o homem e a mulher já purificada, tomam nos braços seu filho, limpo de todos os males recebidos de seus antepassados, colocam a cuia dentro de um pequeno barco, que foi confeccionado pelo toissan, que vocês chamam de padrinho, e lançada ao mar.
- Houve um tempo, e minha bisavó participou desse tempo, que o ritual era diferente. Naquele tempo, uma gota do sangue da serpente era pingada no umbigo da criança, mas muitas delas morriam, e foi proibido pelas autoridades.

A refeição está pronta. Todos chegam. Enquanto Na’a trabalhava, outras mulheres também faziam outros pratos ou preparavam peixe seco. Os alimentos de todos se juntam, e a refeição é dividida.

Calmaria. Na imensidão do mar a única coisa que lembra a passagem da tormenta é o aperto no coração dos homens. Nas entranhas do barco, as pessoas ainda temem falar-se. É como se falar fosse trazer de volta o desespero e a dor.

Continente. Ferida e marcada pelos dentes do furacão, a terra geme e chora seus mortos e feridos. A destruição pode ser vista até o horizonte.

Ilha. Vazio. Ausência de vida.  O mar voltou ao seu lugar. A terra aparece. É como pequeno monte de areia que teima em enfrentar a natureza, e se mostrar por sobre as águas. Alguns destroços vão e vêm, no balanço das ondas, ou deixam-se ficar na praia, testemunhas da inconseqüente e destruidora força da tormenta.


MA-I-THI

Com a chegada do dia claro, a vida se agita. Os homens, as mulheres e as crianças juntamente com os adolescentes, são divididos em três grupos cada. O grupo de homens mais velhos e experientes se junta a alguns adolescentes e começam a recolher destroços de barcos, casas da vila e árvores derrubadas pelo furacão. O grupo de homens mais jovens e saudáveis prepara os barcos, suas redes e arpões para a pesca, pois a vila precisa de peixe fresco. É muita gente para ser alimentada. Um grupo de mulheres com outro de crianças começa a limpar e organizar a caverna, pois a vila ainda terá que passar um bom tempo protegida ali dentro. Outro grupo de mulheres recebe do grupo masculino os destroços recolhidos, separa o que é servível e o restante amontoa em uma parte da praia. O terceiro grupo de mulheres se une ao grupo masculino que recolhe as árvores derrubadas. Seu trabalho será o mais importante. A elas cabe escolher as árvores que serão utilizadas na reconstrução da vila. Elas são mulheres abençoadas, que podem entrar em sintonia com a natureza e sentir a vida fluir.

O furacão define a linha da evolução da vila. Com ele, tudo se renova. A vila tem que ser reconstruída. As crianças deixam a meninice para entrarem no mundo dos quase adultos, partilhando com os maiores o sofrimento e a dor. As mães renovam sua fé na vida e nos Deuses. Os homens sabem que a partir daquele dia, suas vidas estarão marcadas pelo dedo de Netuno, pois um dente se partiu.

Anselmo, parado na praia olhando o horizonte ao longe no mar, aos poucos vai se apercebendo do movimento que começa ao seu lado, e se dá conta mais uma vez da poesia de tudo aquilo. Não se trata de uma desgraça, como seria no continente, nas grandes cidades. Ali, tudo faz parte da grande roda da vida onde ao mesmo tempo em que alguns nascem outros têm que partir.

Enquanto todos trabalham, os quatro homens que haviam preparado o barco o trazem até a beira da água. Colocam-no na areia. Tudo que o velho pescador necessita para sua jornada já está preparado dentro do barco. As virgens trazem o trançado de sobrevivência e o amarram ao peito do velho, sem que ele o toque. A mulher encurvada traz nas mãos uma cuia com água colhida da chuva. Uma menina tão pequena que quase tem que ser trazida pelo pai, traz nas mãos uma cuia com água colhida no mar. Na’a traz nas mãos uma cuia vazia.
Os homens continuam parados onde ficaram ao deixar o barco. M’tu recebe das mãos de Na’a a cuia vazia. Caminha até a velha, toca com os dedos seus olhos, fechando-os. Ora: “Vha-xu, dá a Sani um bom bi-itar. Ela já cumpriu sua tarefa dessa vida”. Toma de suas mãos a cuia com água da chuva e despeja parte na sua. Caminha até a menina. Toca os ouvidos, os olhos e o peito da menina, e ora: “Tu-ika, Deus que da vida, dá a Ianná longa vida, pra que ela possa gerar muitas vidas e assim cumprir sua tarefa de não deixar a vida se perder”. Toma a cuia das mãos da menina, despeja parte na sua. M’tu caminha até Na’a, toca seu ventre, molha os dedos com a mistura de água salgada e doce da cuia, faz uma linha na sua testa e ora: “Ohw-ma, Deus que dá a vida, dá a Na’a a alegria e a dor do procriação, pra que ela possa cumprir sua tarefa de fazer as gerações eternizarem”.
M’tu então se posiciona diante do barco, bebe um gole da mistura, depois levanta os braços, içando a vasilha até onde os braços alcançam, e faz nova oração, mas silenciosa, só sua. Volta-se para o barco. Os homens o tiram do chão. M’tu derruba o resto da mistura no barco. “Netuno, Deus do mar. Aceite a jornada de teu filho como uma oferenda à vida. Que minha morte seja como a morte da semente, que se parte para gerar uma nova vida. Que minha vida, se desejar me deixar viver, seja alimento de fé e esperança para nossos filhos.” M’tu derrama o resto do conteúdo da cuia no barco, nos homens que o seguram, na sua velha mãe encurvada, na sua filha Na’a e na pequena que é a mais nova criança da vila que consegue andar. Assim se fecha o círculo da vida, que se perpetua. Retira do cinturão o urucum perfumado, molha as pontas dos três dedos centrais da mão direita, risca o peito com a tinta. “Ixan, Espírito da Vida, da a M’tu coragem”. Molha novamente as pontas dos dedos, risca a testa.”Ma-wi, Espírito da Terra, dá a M’tu a sabedoria”. Repete o gesto, agora com a mão direita risca o braço esquerdo e com a mão esquerda risca o braço direito. “Voo-la, Espírito da Tormenta, dá a M’tu força”. Retira o azeite de baleia, unta todo o corpo enquanto ora sozinho.

Enquanto o ritual era cumprido, toda a vila se aproximara, fazendo uma meia lua na praia. O velho pescador caminha em direção à água. Os homens carregam o barco mar adentro. Toda a vila caminha com eles, mantendo distância. O velho mergulha no mar raso, molhando todo o corpo. É sua entrega. Na’a, que o acompanhara até ali, abraça-o forte e lhe fala algo ao ouvido. M’tu sorri suavemente, passa a mão no rosto da filha, olha em direção a Anselmo e diz: “toma conta delas”. Faz sinal aos homens. Eles baixam o barco e o colocam na água. O velho entra no barco, senta-se ao leme, e deixa as ondas carrega-lo mar adentro. Não olha para trás.

Na praia, toda a vila acompanha o barco até ele quase sumir. Então todos voltam às suas tarefas e os barcos são lançados ao mar, para a pescaria do dia.

Anselmo, que a tudo assistira calado e emocionado, se sente decepcionado. Esperava um ritual cheio de emoções e simbolismo, grandes despedidas, e não houvera nada disso. Tudo fora de uma simplicidade angustiante. O velho partira. A vida na vila aos poucos vai se agitando, como se nada tivesse acontecido.
Anselmo se sente de certa forma enganado. Chega perto de Na’a, que continua no mesmo lugar, dentro da água olhando o mar. Toca-lhe suavemente no braço. Na’a se assusta, volta-se para o marido.
- O que você disse a ele?
Ela olha o marido, o abraça forte e deixa as lágrimas correrem livremente.
- Eu disse para ele voltar, pois ele precisa participar do meu ritual de Tu-ika.
Anselmo olha a mulher, entre assustado e feliz.
- Rritual de Tu-ika? Por que? Você está grávida?
Na’a responde com um movimento de cabeça. Ri e chora ao mesmo tempo. O marido a abraça forte. Solta-a, como se temesse quebrá-la.
- Desculpe! Está tudo bem?
- Claro. Não se preocupe. A gente não se quebra com um abraço. Pode me abraçar, apertar, diz sorridente, enquanto beija o rosto do marido. Eles se abraçam e sobem para a caverna de mãos dadas. Ao chegar à entrada, ele olha mais uma vez o mar. O velho já sumiu no horizonte. Anselmo dá um suave suspiro. A vida retoma seu curso. Ele, sua esposa, o filho que ela espera, o velho pescador e todos ali nada mais são que areia na moenda do destino.
O velho partira. Apenas a velha encurvada, Sani, mãe de M’tu, fica na praia acompanhando o barco se perder no horizonte. Toda a vila trabalha. Comparado com a destruição do lado de fora, dentro da caverna os estragos foram bem poucos.

Toda a madeira recolhida dos destroços que não será utilizada na reconstrução da vila é amontoada em um ponto mais alto da praia. Durante as quatro luas em que o velho pescador estiver no mar, nenhum fogo poderá ser aceso à noite, nem mesmo dentro das casas, para que nem a fumaça nem o fogo indique o caminho de volta. Após o tempo cumprido, a madeira será usada para alimentar a fogueira que será o farol para trazer o velho de volta.

Durante o tempo em que ele busca sua alma no mar, em terra, ninguém fala sobre ele. Não importa se ele morrerá ou viverá. O que importa é que seu tempo está cumprido. Agora o novo tempo a ser vivido é dos que ficaram, e que noite e dia pedirão ao Espírito da Tormenta, que lhe devolva a alma. Se ele voltar, eles se alegrarão, cantarão e dançarão, festejando a vida. Se ele não voltar, eles oferecerão e invocarão sua história, e a contarão aos seus filhos, para que eles mantenham vivas as tradições de seu povo.

Chuva. Calafrios nas almas das crianças. Lama que desce da montanha e se mistura ao mar.

Vento. Doce carícia que abraça terra e mar, e enfuna as velas das jangadas, na incansável busca pelo alimento.

Mar. O homem-bicho dentro do barco-fruta recebe o sol e dá graças aos seus Deuses, ainda que não acreditem Nele.

Morte. Deixou seu rastro negro por todos os cantos, mas a Vida alheia às dores, é maior e mais forte e renasce por todos os lados.

Ilha. Mãos pequenas, grandes, calejadas, enrugadas, velhas, novas, negras, brancas, se unem para vencer a morte, e espalhar o perfume da vida e da renovação.

Sani olha a pequena Ianná. Toma entre as suas as mãos da menina. Recolhe a cuia que seu filho usara para abençoar-se. Recolhe água do mar. Com ela abençoa a menina, lança ao mar a água que sobrou na cuia. Pega-a pela mão e se dirige à caverna.                                                                         

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