CONVERSA DE MINEIRO
Conversa de mineiro não é como as outras. Conversa de mineiro é como uma manhã de sol quente,e vem uma brisa assim morna, só pra passar o tempo, outras vezes é que nem um vendaval, cheia de paixão. Conversa de mineiro é que nem um riacho, cheio de curvas, de mudança de curso, de parada com redemoinho pra depois voltar pro caminho certo. Há vezes que conversa de mineiro é que nem nossas montanhas, que crescem e minguam, sobem e descem, de vez em quando até mesmo desabam numa ribanceira, assim de repente, e pára, pra começar noutro dia, noutra hora, noutra oportunidade.
Mineiro não tem inimigo, tem desavenças.
Mineiro não tem vizinho, tem compadres.
Mineiro não faz negócio, faz catira.
Mineiro não conversa, prozêa.
Mineiro não se cansa, se aporrinha.
Tem mineiro assim que gosta bem de uma proza, que é falador que nem um papagaio, mas tem mineiro que é calado que nem uma porta. Há mineiros bem arredios – sabe que é isso não? Arredio quer dizer desconfiado, que olha todo mundo assim de banda, meio de lado.
O povo tem mania de dizer que mineiro fala pelas metade, que come as palavras, mas aquitemdissonãomoço. A gente fala assim meio escorregadio – isso quem dizia era o doutor Mané do Gordo, que era filho do João Gordo. Digo era porque o João Gordo já foi-se dessa para melhor, que Deus o tenha! Mas o causo da gente falar assim sem pressa, é que aqui a vida – também como dizia o doutor Mané do Gordo, não corre, escorrega. Aí a gente conversa que nem a vida. Pra que correr, né não, seu doutor? A gente não leva nada dessa vida mermo. Qué um pito? Olha que essa palha é das melhor que existe. É feita aqui mesmo na praça. Colheita de primeiríssima! Só poucos conseguem uma palha como essa. Pena que o fumo não seja dos melhores. Aquele Donizete Taquara só vende fumo de segunda. Ele é enrolado que nem o fumo que vende.
Mais eu tava te falando. Conversa de mineiro é assim que nem uma tarde que cai de mansinho e a gente nem se apercebe que a noite chegou, e vai ficando, e nem se apercebe quando a roda aumentou, e as estrelas já se acenderam no lampião do céu, e o azul já descortinou e o frio aperta os peito. Poesia? Que poesia nada seu moço! Isso é só jeito de te contar duma proza sem mais nem porque.
Não quer mesmo um pito? É dos bão, apesar do fumo. Maria! Trás um café novo aqui pra nóis! Um café o senhor aceita, né seu doutor? Bom! Todo mundo lá da cidade grande acha que a gente aqui da roça só fala errado, sem concordância – sabe que desde que eu aprendi essa tal de concordância, que a professorinha Letícia da Telminha ensinou pra nós, eu até consigo me expressar – gostou do expressar? - melhor com os outros.
Mais o doutor tava procurando o Seu Chico Lontra? Olha, seu doutor! Sei dele não. A última notícia que se teve dele nessas bandas foi que ele tava casado com uma mulata lá da Bahia, que tava vivendo em Salvador, mas nunca mais se soube. De verdade verdade mesmo, não se tem notícias há muito. A mãe tá sempre aperreada, com cara de choro e se remoendo de saudades, mas o filho de uma cadela sem mãe – o doutor me desculpe o jeito, mas me dá uma raiva de um filho sem coração desses! - nem dá notícias. Abandonou a mãe de vez. Mas mal pergunte, o quê o doutor tá querendo com ele? Ele fez alguma, foi? Não? Tanto melhor, que a mãe, sem notícias do filho, se ouvir que o doutor tá procurando ele por causa de alguma safadeza, vai lhe partir o coração.
O doutor veja que coisa! Chegou aqui perguntando pelo Chico Lontra – o doutor é amigo? Não? Então o que o doutor quer com ele? Sei não! Boa coisa não deve ser, o doutor sair da cidade grande, nesse carrão, topar um calor dos diabos aqui nessas terras só pra achar o Chico. Tem coisa! Pois é. O doutor chegou perguntando pelo Chico e eu já desviei a conversa pra outros planos – isso de outros planos é mania que peguei quando li um livro antigo, mas desse livro não ficou nenhuma memória, nem o nome, nem o escrevente – autor? Pois é, nem o autor me lembro. Mas ficou essa mania de falar umas palavras meio diferentes que ninguém fala por essas bandas. Mas eu estou falando demais? Não?
Então! O doutor chegou perguntando pelo Chico Lontra – por que Chico Lontra? É que ele tinha uma lontra que ele pegou no rio Paraopeba quando era criança, e andava com ela pra todo lado, até dava de comer pra ela do prato dele. Ele até viu uma vez um filme que tinha uma foca que fazia um monte de coisas, e aí ele tentou ensinar pra ela uma piruetas e mazelas, mas ela não aprendeu nada, inda acabou foi fugindo dele. O homem ficou numa tristeza, que dava dó! Mas isso foi há muito.
Mas o doutor me conta! O quê o doutor quer com o homem? E como o doutor veio parar pressas bandas? O café tá bão? Modéstia pra dizer eu não tenho! Melhor café que esse o doutor não vai achar por essas bandas, não. Não é café que se compre por aí, seu doutor. É cultivado no meu quintal, com todo carinho e dengo de fio, que os preá se foram – que é preá? Me adesculpe seu doutor, tem hora que me esqueço que nossa proza é diferente. Preá é como eu chamo os meu filhos, que se debandaram todos pra cidade grande e deixaram eu e a minha Maria aqui sozinhos. Mas filho é assim mesmo. A gente não cria pra gente não, a gente cria é pro mundo, não é, seu doutor?
Tá bão então. Se o doutor não pode falar, fica assim. Meu avô dizia que marimbondo quando tá quieto a gente não cutuca, mas que se começa a zuar a gente tem que tocar fogo. Aquele que vai ali é o Tonho Prego. Se ele é marceneiro? Por que o doutor pergunta? Não, Prego não é por causa da profissão dele não. Sei não, deve ser apelido de menino. O doutor aceita um pito? Olha que esse é dos bão. Palha de primeira. O fumo é que não é dos melhores, causo que o Donizete Taquara só vende porcaria. Qualquer dia peço prum dos meu filho trazer um fumo lá de Belzonte. Quando eles vêm ver eu mais a Maria, eles sempre trazem algum agrado. Teve uma vez que eles vieram com um tal de requeijão cremoso, o doutor conhece? Pois é. Que trem mais sonso, mais sem gosto! Requeijão é de cortar, com rapa e puchento que nem rapadura de tacho.
Mas eu tava lhe dizendo do café. É cultivo de dengo meu e da Maria, que na falta dos preá – eu já falei, meus filhos que se foram – a gente cuida das criação e das plantação que nem se fosse filho. Mas eu não tenho do que arreclamar não, seu doutor! Meus filhos são muito bão pra nóis, eu e a Maria. Minha Maria, apesar da idade e das mazelas da vida, tem um dengo por demais carinhoso e beliscoso comigo, a gente ainda se enrosca na cama como na juventude - tá bão, como na juventude é conta de pescador, mas a gente ainda dá uns arrocho, que não tou morto e ela ainda é um mulherão!
Os preá já são todos casados, nós já temos netos. É uma desgrameira, seu doutor! O tal de neto é uma coisa pra fazer a velhice ser uma amansada de mula. Amansada de mula? É quando a mula ainda não foi amontada e a gente tem que amansar ela. A vida de avô, inda mais quando os neto tão longe e a gente só vê eles vez ou outra, é um sobe e desce, e cai e alevanta. Tem dia que a gente tá numa saudade que dá uma vontade danada de chorar, e parece que o corpo todo dói só de pensar nos préasinho, e aí assim meio que de repente, parece que eles lá sentem a saudade que a gente tá sentindo aqui e sem mais nem porque aparecem, e aí é o dia mais alegre do mundo. E aí a gente fica cheio de amor pelos bichinho mas a gente tem de se fazer de duro e não deixar eles ver que a gente tá amolecendo, pra eles não perder o respeito. Mas que dá uma vontade danada de encher os bichinho de abraço e beijo, áh isso dá! O doutor tem filho? Não? Pois quando o doutor tiver vai saber do quê eu tô falando. Mas neto é diferente. Filho a gente cria, educa e põe no mundo pra voar, que nem passarinho. Já dizia meu avô. Mas neto a gente não educa nem cria, mas quer todo o tempo junto da gente. Tô chorando não, doutor. Tou só assim meio saudoso – êta palavra bonita!
O Chico Lontra? Não senhor! Sempre foi um menino bão, nunca deu trabalho pra mãe. Foi até coroinha do padre Borboleta – quem, o padre? Não, seu doutor. Sabe que agora que o doutor perguntou, nem sei o nome dele? Todo mundo chamava ele de padre Borboleta – parece que ele nem gostava – porque ele colecionava borboletas. Saía aí pelas mata em volta da cidade caçando as bichinha, e depois colocava elas fincada numa prancha de cortiça e pendurava na parede. Eu morria de dó das bichinha e achava um pecado fazer aquilo com elas, mas ele era padre, devia saber, o doutor não acha? Mas por que mesmo o doutor tá procurando o Chico? Doutor ainda não me explicou! Coisas! Tá! Essa história tá muito estranha, seu doutor! Eu até acho que já conversei demais, acho que já vou arredando o pé, que tá na minha hora.
O chapéu? Não, esse não é daqui não. Foi meus preá que me deram. Disseram eles que compraram numa viagem que fizeram lá pelos lados de Divinópolis. Bonito, né seu doutor? Nunca tinha tido um chapéu tão bonito e duradouro. Couro puro, de verdade! Não é como esses que a gente compra dos cacheiro que passam por essas bandas. Na venda do Donizete até tem uns chapéus de qualidade, mas custam o olho da cara. Esse é coisa fina! Mas também só serve pra usar no sol, que se vêr chuva ele mancha todo. Mas que é bonito é, não é não, seu doutor? Então!
Lugar pra ficar? O doutor pode ficar na pensão da Rosário. É lá no fim da rua, descendo para a praça da igreja. Depois o doutor vira pra direita e já chegou. A pensão não é das mais confortáveis não, que o doutor deve estar acostumado a muito luxo, mas é muito bem cuidada e limpa, a comida é caseira e sadia. O doutor vai ficar bem instalado. Mas o que o doutor quer mesmo com o Chico? Pode falar não? Coisa mais esquisita! O doutor me desculpe pela proza comprida e pelas beiradas, mas conversa de mineiro é assim mesmo, não tem eira nem beira, vai se achegando como quem não quer nada e quando a gente se dá conta, já tomou tamanho sem disparates. Deus lhe dê bons sonhos!
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